Outra crítica de “As Compensações”

Uma nova crítica de “As Compensações”, feita por um blogueiro que conheço pessoalmente graças aos jogos de Wargame. Há alguns “spoilers” aqui e ali, mas no todo uma percepção rica de muito do que quis contar com as histórias…

http://livroseboso.blogspot.com/2011/03/as-compensacoes.html

 

Uma Partida de Xadrez

“Cada jogador enviava a carta contendo sua jogada em quartas-feiras alternadas e, salvo contratempos, o outro a recebia sexta-feira; abria o envelope, lia as indicações e reproduzia o movimento no tabuleiro. Fazia mais de um ano que mantinham essas formalidades e o jogo aproximava-se do fim.

Marcos havia sido o último a fazer o lance e esperava com ansiedade a resposta do adversário. Acreditava estar com a partida nas mãos; a menos que o outro criasse uma sequência de movimentos inesperada, sabia quais peças mover para chegar ao xeque-mate. Sua última jogada havia exigido esforço significativo, surgindo como um lampejo em sua mente após dias estudando o tabuleiro. Era um movimento que, à primeira vista, colocava em risco várias de suas peças, mas qualquer resposta do adversário serviria como abertura para o grande golpe. Marcos, durante a semana após ter enviado a coordenada, a cada instante que olhava para o tabuleiro sobre a mesa gabava-se de sua ousadia.

Gabava-se sozinho, pois pessoalmente não conhecia um que entendesse o xadrez. Era seu vício, o jogo; mas a razão para essa abstinência da grande vida era desinteressante aos seus próximos. Alguns, vez ou outra, aceitavam disputar partidas com ele, mas pela inexperiência eram presas fáceis, perdiam em um punhado de jogadas. Na internet encontrava bons jogadores, desconhecidos contra quem disputava em sites com tabuleiros virtuais ou trocando e-mails; mas o contato terminava logo o xeque-mate fosse dado. Já amigos e parentes, estes viam peças e tabuleiro como não mais que uma grande brincadeira. Marcos, frente-a-frente com um amador, convencia-se de que era ele quem estava de fato brincando; contra um amador podia fazer qualquer jogada, desmanchar o tabuleiro de qualquer maneira, sacrificar quaisquer peças, o que dificultava seus movimentos e servia de desafio: sendo o oponente fácil, a dificuldade ele mesmo criava. Muitas vezes pensava que, no fim, jogava contra si mesmo.”

 

Estes são os primeiros parágrafos do segundo conto do livro, um dos favoritos dos leitores!

Da Capo

“Aconteceu de Luís perder a mão direita em um acidente de carro. Era passageiro de seu pai; outro veículo em uma pista transversal ultrapassou o sinal vermelho e chocou-se contra a lateral do carro. O jovem, um violinista profissional, ficou preso entre o banco e a lataria. Foi possível retirá-lo dos escombros sem agravar mais sua situação, tal que seu ombro e tórax, apesar de feridos, precisariam apenas de tempo para serem curados; sua mão, porém, estava destruída desde o momento do choque. Era seu costume deixar sempre o braço apoiado na janela.

Infelizmente estava desperto durante todo o procedimento de salvamento, a ponto de ver o que restava de seu membro. Os dedos mínimo, anular e médio – e com eles toda a parte inferior da palma – haviam sido arrancados, e o polegar pendia graças tão somente a um fino feixe de músculos. Enquanto era levado à ambulância lutava contra o terror em sua mente, tentando se convencer de que seu polegar poderia facilmente ser costurado de volta e que os médicos iriam encontrar nos escombros os três dedos perdidos. Se a operação fosse feita rapidamente tudo voltaria a ser como era, lera certa vez sobre o tempo que membros arrancados suportavam antes de entrarem em decomposição, se os colocasse no gelo, pois se isso não for feito o pior acontecerá… mas não continuou a pensar nisso, concentrando-se em suportar a mera dor, evitando assim reconhecer que precisaria desistir do violino.”

 

Este é o início do conto “Da Capo”, que abre o livro “As compensações”. Nas próximas semanas irei postar trechos dos outros contos do livro!